O melhor da minha vida é estar aqui na muralha com uma cana estendida para o negrume do rio as vigias de um navio e as ondas de fina talha Quando chega sexta-feira despeço-me da mulher beijo a criança na esteira ponho um capuz de oleado e venho para este lado no barquinho da carreira Vejo as luzes de Belém refractadas no alcatrão milagres que a noite tem namorados que se beijam altas árvores que bocejam e o búzio que as casas são Oh minha colcha de estrelas neste mar côr de basalto minhas loiras caravelas navios de especiarias vogando em ondas macias num céu tão puro e tão alto Saltam infantes barbudos das naus que vêm de Almada grumetes, frades miudos com gengivas de escorbuto donzelas de triste luto dançam na luz irisada. Salta El-Rei com seus alões e as aias da princesa bobo, jograis e anões escrivães e cardeais saltam santas de vitrais e o cronista à sua mesa D. João chegou de Dio D. Pedro de Timor vem e eu na muralha do rio a ver os dois enforcados que os corvos comem em estrados junto à Torre de Belém Convosco esqueço o emprego quando chega sexta-feira fico surdo fico cego não ligo è renda da casa parado a ouvir uma asa que me voa à cabeceira Meu rio tão negro e tão fundo bacia do Mar da Palha quero lá saber do mundo quero lá saber do peixe quem em ama que me deixe ficar aqui na muralha.