Rigoroso do Pescador da Marginal

Vitorino

Composed by: Antonio Lobo Antunes
O melhor da minha vida 
é estar aqui na muralha 
com uma cana estendida 
para o negrume do rio 
as vigias de um navio 
e as ondas de fina talha 

Quando chega sexta-feira 
despeço-me da mulher 
beijo a criança na esteira 
ponho um capuz de oleado 
e venho para este lado 
no barquinho da carreira 

Vejo as luzes de Belém 
refractadas no alcatrão 
milagres que a noite tem 
namorados que se beijam 
altas árvores que bocejam 
e o búzio que as casas são 

Oh minha colcha de estrelas 
neste mar côr de basalto 
minhas loiras caravelas 
navios de especiarias 
vogando em ondas macias 
num céu tão puro e tão alto 

Saltam infantes barbudos 
das naus que vêm de Almada 
grumetes, frades miudos 
com gengivas de escorbuto 
donzelas de triste luto 
dançam na luz irisada. 

Salta El-Rei com seus alões 
e as aias da princesa 
bobo, jograis e anões 
escrivães e cardeais 
saltam santas de vitrais 
e o cronista à sua mesa 

D. João chegou de Dio 
D. Pedro de Timor vem 
e eu na muralha do rio 
a ver os dois enforcados 
que os corvos comem em estrados 
junto à Torre de Belém 

Convosco esqueço o emprego 
quando chega sexta-feira 
fico surdo fico cego 
não ligo è renda da casa 
parado a ouvir uma asa 
que me voa à cabeceira 

Meu rio tão negro e tão fundo 
bacia do Mar da Palha 
quero lá saber do mundo 
quero lá saber do peixe 
quem em ama que me deixe 
ficar aqui na muralha.
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