Como eu pude acreditar que seria diferente? Se pra eles, eu sempre fui coisa nunca fui gente Já faz 135 anos, presta bem atenção Que hoje eu decidi contar minha versão dos fatos Arrancado da minha terra Natal Apartado da minha família de sangue Fui trazido num porão imundo de um navio negreiro Muitos nem sobreviveram Vendido como um animal Vi meu corpo se tornar propriedade Daqueles que detinham o chicote, o poder e de suas vontades Perdi as contas de quantas vezes tentei fugir Pra algum quilombo que pudesse acender em mim, uma chama de esperança Ter de volta a liberdade dos meus tempos de criança Mas toda vez que o capataz me encontrava E com a corda e o cavalo me arrastava Em meio ao sangue e a dor, a minha carne gritava assim Não corra, não fuja, só levante as mãos Qualquer movimento brusco vai chamar atenção Não encare, só pare, a vida é uma só Voltar pra casa são e salvo ainda é melhor A resistência e a luta de muitos irmãos Trouxe pra nós o dia da sonhada abolição E celebramos a vitória sobre os dias de cão De pés descalços e carta de alforria na mão Mas, aos poucos, fomos caindo em si Não ia ser fácil, pois nem tínhamos pra onde ir E foi assim que descobrirmos que foi só distração Não fazer a reforma agrária era a real intenção Agora, tente fechar os olhos e imaginar o que você faria em meu lugar Liberto sim, mas sem dignidade Sem qualquer igualdade de oportunidades Sub-emprego, marginalidade, me acusaram até de crimes que nunca cometi Viramos bode expiatório dessa sociedade Que perpetua esse quadro de desigualdade Como eu pude, como eu pude, acreditar Como eu pude, como eu pude, acreditar Como eu pude, como eu pude, acreditar