Vai entrando, solidão. A casa é tua. Nesta hora em que a cidade se amortalha. Não há ruído aqui, nem lá na rua; Ninguém nos ouve, nem nos atrapalha. Empresta-me ouvidos de silêncio. Teus olhos cegos e teu canto mudo; Me empresta este vazio, enquanto penso. Pra que eu, pensando em nada, esqueça tudo. Quero em teu colo, acomodar-me quieto. Deixar passar o tempo em abandono; Ficar horas a fio olhando o teto, Até sentir cansaço e vir o sono. Saudade pode vir bater à porta... Tristeza? É quase certo que ela vem. Deixa que entrem...Tanto faz e pouco importa; A casa é grande e o coração também... Se por acaso eu sorrir sozinho, Disfarça, solidão; sejas discreta, Pode ser a lembrança de um carinho A visitar-me nesta hora quieta. Se, se repente, eu chorar baixinho, Também não faças caso, solidão. É só a cicatriz de algum espinho, Que um dia me arranhou o coração. Amores vem e vão. Como os amigos; Nem bem um chega, outro desaparece. Só minha solidão fica comigo; Não muda, não se vai, não envelhece. Por isso, quando chegas não reclamo; Abro-te a porta e te recebo bem, Talvez devesse até dizer que te amo, Pois tu és sempre o amor de quem não tem. ...Por fim, quando vai alta madrugada, Rezo um "Pai-Nosso" e um Sinal da Cruz, "Boa-Noite, Solidão"...Não ouço nada... "Boa-Noite, Solidão"...E apago a luz...